O Baile de Máscaras
A noite finalmente caiu e uma fileira interminável de carruagens elegantes serpenteava pela longa via que conduzia à entrada da imponente mansão dos Hartfield. As janelas altas estavam abertas para receber a brisa da primavera e dava para ver que o interior estava iluminado para receber os ilustres convidados que não paravam de chegar. A cada parada, as portas das carruagens se abriam e davam passagem a figuras envoltas em trajes esplêndidos.
Sob a luz de inúmeras velas, que lançavam um brilho dourado sob o ambiente, um mar de máscaras cintilava: algumas eram delicadas e feitas de renda, enfeitadas com pequenas pérolas; outras, de veludo adornadas com plumas e gemas que capturavam cada fagulha de luz. Os convidados, subiam os degraus de mármore branco até a grande porta de carvalho, onde eram recebidos por criados em libré, que faziam reverências tão meticulosamente coreografadas quanto qualquer dança de salão.
Dentre esses convidados, destacava-se uma jovem envolta em um vestido de seda azul-claro, cuja máscara de penas de pavão não só cobria seus olhos, mas parecia também emoldurar seu rosto elegante parcialmente revelado, destacando seus lábios bonitos e rosados.
Ela hesitou por um breve momento na base da escadaria, o coração acelerado com a antecipação do desconhecido, pois aquela era a sua primeira vez no baile de lady Hartfield. Ela olhou ao redor antes de ser absorvida pela multidão que se movia em direção ao salão principal.
Outra pessoa que se destacava dentre todos os presentes era um jovem de postura altiva que ajustava sua máscara negra, adornada com filigranas prateadas, exalando a elegância de sua estatura e posição social. Ele também se diluiu no mar farfalhante de cores e texturas variadas.
Reunidos sob o véu do anonimato, cada um desempenhava seu papel naquela noite de fantasia e alegria que prometia ser inesquecível.
No salão, lustres de cristal pendiam do teto lançando uma chuva de luz sobre todos, as paredes eram adornadas com tapeçarias luxuosas e quadros de valor inestimável de antigos residentes da mansão que testemunhavam silenciosamente o espetáculo abaixo deles. Uma orquestra estrategicamente colocada em um canto, tocava uma valsa melodiosa, convidando todos a se juntarem na dança.
Isabella movia-se timidamente pela borda da pista de dança. Seus olhos brilhavam de admiração, pois nunca vira nada semelhante àquela grandiosidade. Os vestidos das damas rodopiavam em um turbilhão de cores e as máscaras davam um ar de mistério. Protegidos pelos acessórios, a identidade de todos estava preservada e aquilo parecia dar aos convidados uma sensação prazerosa de incógnita.
De repente, a música mudou para um ritmo mais lento, uma dança para casais que se conheciam bem, ou que desejavam se conhecer melhor. Foi então que ela sentiu uma mão leve em seu ombro. Virando-se, deparou-se com os olhos de um jovem mascarado, cuja expressão era inescrutável, mas seus olhos eram muito bonitos e convidativos.
Ele fez uma reverência elegante, estendendo a mão.
— Posso ter a honra desta dança? — sua voz era suave, mas clara acima da música.
Isabella hesitou por um breve instante, o coração batendo mais rápido. Afinal, ela não conhecia ninguém ali. Mas algo em seu olhar, uma curiosidade talvez, a encorajou a aceitar. Colocando sua mão na dele, ela se deixou ser guiada para o centro da pista de dança, onde se juntaram aos outros dançarinos.
Gabriel, por sua vez, estava encantado. A moça que agora girava em seus braços era um mistério envolto em azul e prata. Ele se maravilhou com a facilidade com que se moviam juntos, como se fossem feitos para se encontrar ali, naquele baile de máscaras. Cada passo e movimento parecia diminuir a distância entre eles, favorecendo uma conexão que só a música poderia descrever.
Enquanto dançavam, Isabella sentia-se cada vez mais envolvida pela experiência. A inicial timidez deu lugar a uma alegria crescente. E naquele momento, enquanto os olhos do jovem a estudavam com uma mistura de admiração e curiosidade, ela permitiu-se esquecer das barreiras que os separavam, mergulhando no presente que a música lhes proporcionava.
Ao fim da dança, Gabriel, ainda segurando a mão de Isabella, inclinou-se suavemente, sussurrando ao seu ouvido com uma voz que mesclava mistério e incitação:
— Se me permite, gostaria de lhe mostrar os jardins. A lua está especialmente generosa esta noite.
Isabella sentiu um arrepio percorrer suas costas. A ideia de passear pelos jardins sob a luz da lua parecia retirada de um sonho.
— Seria uma fuga encantadora, — ela respondeu, o brilho em seus olhos refletindo a luz das velas que iluminavam o caminho para fora.
Deixaram o calor do salão e adentraram a frescura da noite. Os jardins da mansão Hartfield eram um espetáculo à parte, com caminhos sinuosos ladeados por arbustos meticulosamente aparados e canteiros de flores que exalavam um perfume doce e suave. A lua cheia banhava o local com sua luz prateada, tornando as pétalas das flores brancas quase translúcidas, enquanto as sombras dançavam suavemente ao sabor da brisa primaveril.
— Sei que não podemos revelar os nossos verdadeiros nomes, então que nome você escolheria para si nesta noite? — Gabriel perguntou, enquanto caminhavam por um caminho ladeado por trepadeiras floridas.
Isabella pensou por um momento, seu olhar perdido na beleza ao seu redor.
— Hmm, não saberia dizer… confesso que não havia pensado a respeito disso. — Depois de caminharem em silêncio por um momento, ela continuou. — Que nome você escolheria para mim?
Gabriel refletiu e sorriu.
— Escolheria Aurora.
— É um belo nome! Por que o escolheu?
— Olhando agora para você, vejo que seus cabelos são tão dourados quanto o nascer do sol.
Isabella corou profundamente de satisfação. Ninguém nunca havia lhe tido palavras tão encantadoras.
— Agora que escolhi um nome para você, que nome você daria para mim? — Ele a instigou.
Após refletir um momento, ela disse:
— Já que eu sou Aurora, você será Orion, um viajante das estrelas em busca da beleza e da luz nas profundezas do céu noturno.
Através de suas máscaras, eles se encararam e uma aura mágica os envolveu.
Aquele momento de singular doçura culminou num beijo terno sob a luz da lua. Algo forte, mágico e indiscutivelmente real aconteceu naquela noite. Protegidos pelo manto da noite e das máscaras, eles foram estimulados a desnudarem algo muito mais importante que seus rostos: as suas almas. A certa altura, eles deram-se as mãos e prosseguiram pela exploração dos jardins, ao mesmo tempo que exploravam seus corações.
Antes mesmo que de se revelarem um ao outro, eles já haviam se decidido que o sentimento que compartilhavam seria mais duradouro do que uma noite de fantasia.
Em um dado instante, eles ouviram as badaladas da meia noite soarem ao longe: era chegado o momento em que todos se revelariam. Os jovens enamorados sentiram uma onda de antecipação e entusiasmo os envolver.
Gabriel pegou a mão de Isabella e a levou até um local onde um feixe de luz, que escapava da grande janela do salão banhava o gramado.
— Vamos nos revelar aqui. — Disse ele. — Estou pronto quando você estiver.
Eles se olharam e sorriam um para o outro.
3…2…1…
Lentamente, com as mãos hesitantes, eles removeram suas máscaras e se olharam ávidos para dar forma ao rosto que já era objeto de grande afeto. Dentro do salão, uma onda de vozes, risos e gritinhos de reconhecimento foi ouvida. Lá fora, um silêncio pesado os envolveu.
Isabella sentiu seus lábios tremerem de choque e seus olhos arregalados ficaram marejados.
Gabriel, por sua vez, apertou os lábios em uma linha fina enquanto seus olhos faiscaram de ira.
— Isabella Montague… — Ele pronunciou o nome com uma profunda e indiscutível carga de desprezo em sua voz.
— Gabriel Crawford — Ela falou com um fio de voz. — Não pode ser…
O choque do reconhecimento atingiu o jovem casal como um raio. Como uma tragédia que leva os sonhos nascentes embora. Dor e surpresa pegaram aqueles dois corações de assalto.
— Poupe-me do seu teatrinho, senhorita. Vindo de uma Montague, está claro que é uma armação.
Isabella engoliu em seco, a indignação ameaçou sufocá-la à medida que as lágrimas começaram a cair, abundantes. Angústia e incredulidade estavam evidentes em seus olhos tristes.
— Armação? Você me acusa de armação, mas quem me garante que você não planejava arruinar-me a fim de destruir minha família? Como eu fui tola…
— O típico drama de uma Montague. — Ele disse mordaz.
— Você conhecia minha identidade tão bem quanto eu conhecia a sua. — Disse ela amargurada.
Isabella deu um suspiro profundo e trêmulo.
— Você era o último homem da face da terra que eu esperava encontrar sob aquela máscara, mas não me lamentarei pelo que aconteceu. O passado está fora do meu alcance, mas o presente está sob o meu controle. Façamos o seguinte:
Ela voltou-se para Gabriel e acrescentou com a voz mais firme:
— Proponho que esqueçamos esta noite. Se meus pais ou meus irmãos descobrirem o que aconteceu, irá reacender a guerra que existe entre nossas famílias. E eu não desejo mais derramamentos de sangue. Por favor, esqueça o que conversamos e o beijo que trocamos. Enterremos este momento para todo o sempre.
O peito de Gabriel estava a ponto de explodir. Ele devia lealdade à sua família, mas não poderia ignorar que seu coração havia amado a moça doce por trás da máscara.
— Adeus Gabriel Crawford.
Isabella deu meia volta e entrou no salão apinhado de convivas alegres. Ela teve que fazer um tremendo esforço para não olhar para trás. Sua alma havia traído as convicções ferrenhas de sua família. Eles jamais admitiriam que ela se relacionasse com um Crawford, então era imprescindível esquecer que havia trocado beijos apaixonados com um.
Enquanto vencia a multidão e caminhava em direção à saída, ela sofria a decepção por ter visto o preconceito estampado nos olhos raivosos de Gabriel. Ele tinha em seu sangue a mácula do orgulho que caracterizava sua família ao longo dos séculos. Ela constatou que estava disposta a derrubar as barreiras que havia entre suas famílias, mas Gabriel não.
Um elegante criado de libré a ajudou com sua capa e acessórios e ela posicionou-se ao pé da escada a fim de esperar sua carruagem. Lançou um olhar hesitante, porém esperançoso sobre o ombro. Ele não vem… ela suspirou.
Já era tarde demais. A carruagem havia chegado.
Ergueu a bainha da saia com uma mão para facilitar a subida, enquanto estendia a outra em busca do apoio do criado. No entanto, o toque que encontrou foi inesperadamente diferente. Levantando os olhos, viu-se diante de Gabriel. Embora suas feições estivessem mais suaves, uma sombra de preocupação ainda turvava seu olhar.
— Eu sinto muito… — Ele disse com a voz grave e baixa.
Ele a ajudou a entrar na carruagem e, em seguida, subiu para acompanhá-la. Isabela arregalou os olhos, surpresa. Depois que ele se acomodou em sua frente, ela viu que as duas máscaras estavam em suas mãos.
— A noite ainda não acabou.
Ele colocou a própria máscara e a incitou a fazer o mesmo.
Com um solavanco suave, a carruagem se pôs em movimento.
— Esta noite eu sou o seu viajante das estrelas e você é minha Aurora…
A chama do amor é real e onde quer que ela brilhe, faz derreter até a mais dura e enregelada barreira. Quando ela desperta, não há inimigo que não se renda ao seu irresistível e aconchegante abraço.
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